quarta-feira, 17 de novembro de 2010

INCESTO: VIOLÊNCIA SEXUAL

Curso pós graduação: Filosofia e Psicanálise - UFES

Disciplina: Freud como Teórico da Modernidade Bloqueada

Professor: Dr.Vlademir Safatler

Aluna: Rejane Mª Barros Gomes

RESUMO

Este artigo discute os desafios pelo qual passa uma criança, vítima de incesto, e que em nenhum momento, encontra na mãe alguma forma de apoio. Pais, em conluio perverso e abusivo, causam danos lesivos à constituição psíquica de sua filha, cuja vida fica destroçada, e isso nos leva a pensar que eles próprios tenham tido seus psiquismos danificados, marcados por vivências impensáveis, revertidas em segredos. Abordaremos também o posicionamento de Freud a esse respeito.

Palavras chave: Violência sexual. Incesto. Família.

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Crianças que estão expostas a situações reais de incesto e abuso sexual, muitas vezes em suas próprias casas, vêem-se profundamente sós, sem possibilidade de simbolizar e transformar essas experiências tão nefastas, cujas marcas serão carregadas pelo resto de suas vidas. Isto se agrava, em muitos casos, por não poderem contar, em seu meio familiar, com suporte e tratamento apropriados, o que lhes acontece, devido ao próprio comprometimento parental.

Neste artigo, apresentam-se primeiramente as consequências das situações de incesto na infância, que não são esquecidas pelo sujeito com o passar do tempo. A seguir, abordam-se questões pertinentes à relação entre a vítima de incesto e sua família, tecendo-se algumas considerações sobre o universo do incesto e sobre a negligência familiar.

As consequências das situações do incesto na infância implicam em fatores traumáticos, internos e externos, em curto, médio e longo prazo, e dependem de uma série de aspectos, tais como a idade da vítima, a recorrência das situações abusivas, a complacência e a conivência familiar, as reações familiares após a revelação, agravadas quando implicam em desmentir a criança, denegação e permanência da situação abusiva, com o silêncio e o conluio familiares, sem contar uma possível falta de compromisso por parte de outros adultos do ambiente da criança, inclusive do sistema escolar e de saúde. Membros da família podem conhecer a situação e preferir se calar para "não separar a família".

No que diz respeito aos fatores traumáticos internos, existe uma diferença significativa quando a criança encontra na mãe uma figura protetora e quando não encontra, e ela é desmentida e permanece exposta às situações abusivas. A violência à qual ela é submetida tem, então, duas faces: a do abuso sexual em si e a do abuso moral, pela denegação materna. Isto aumenta a confusão da criança quanto às percepções, às emoções e ao entendimento no que diz respeito a si própria e ao meio circundante, sobretudo por sua incapacidade de gerenciar, na idade em que se encontra, e sozinha, suas vivências, que ultrapassam sua capacidade de elaboração e permanecem como fonte de angústia. A vivência traumática sobrevém em um período de construção psíquica e de grande vulnerabilidade. A imagem que a criança tem de si mesma fica distorcida, assim como sua visão de mundo e a compreensão de suas capacidades afetivas, ainda mais por ela estar em uma família cuja comunicação se apresenta particularmente comprometida, calcada na dupla mensagem e no duplo vínculo.

O desenvolvimento da sexualidade infantil vê-se paralisado ou bruscamente interrompido por causa da confrontação precoce da criança com a sexualidade do adulto, diferente e impressionante, o que interfere com sua vida de fantasia e se impõe à vida da criança sem que ela tenha escolha.

A criança se vê traída quanto à confiança que podia ter nos adultos cuidadores, e invadida por uma série de sensações de mal-estar físico, como estar suja, deformada, ser desprezível, não ter valor, não ser mais como as outras. A auto-estima fica rebaixada e é comum a criança se apresentar irritadiça, agressiva e propensa a atuações, tais como fugas, comportamentos violentos com outras crianças, inclusive com a possibilidade de submetê-las a situações semelhantes às que se viu submetida. São comuns as vivências depressivas, o bloqueio ou queda no rendimento escolar, a hesitação de contato, os comportamentos regressivos, distúrbios da alimentação e do sono, pesadelos, episódios de enurese, crises de choro e as somatizações (dores abdominais, de cabeça, tremores, paralisações). Pode ocorrer, ainda, o uso de drogas.

A exposição precoce a situações sexuais, quando em um estado de despreparo, pode levar a criança a atitudes exageradamente sedutoras, masturbação compulsiva, brincadeiras repetidas de conotação sexual e comportamentos francamente desadaptados, como a utilização da sexualidade para fins manipulativos ou de ganhos (prostituição).

Os fatores traumáticos externos estão ligados às repercussões familiares e sociais da situação de incesto. Envolvem a solidão imposta à criança pelo lugar que ela ocupa na família, o silêncio imposto pelas ameaças mais ou menos veladas que lhe são feitas ou por sua desmoralização devido ao desmentido, as intervenções sociais que expõem a sua intimidade e que nem sempre se mostram as mais apropriadas, a convivência forçada com o abusador ou o possível deslocamento da vida familiar.

A mulher traumatizada por ter sido vítima de incesto na infância terá que se confrontar, em certos momentos de sua vida - e devido ao próprio ciclo vital - com situações que poderão se apresentar como particularmente estressantes. Estas dizem respeito à iniciação e às experiências sexuais, à constituição da própria família, particularmente com o nascimento de filhos, ou de um em particular, devido à reedição da configuração edípica. Invertem-se, então, os papéis, com a passagem do lugar de filha para o de mãe, o que favorece que conflitos sejam atualizados.

Os mecanismos de defesa e de reconstrução da personalidade das antigas vítimas podem se apresentar insuficientes, de forma circunstancial ou crônica, de modo que podem acontecer todas as manifestações de ordem psiquiátrica.

A vítima de incesto e sua família

O incesto diz respeito, essencialmente, a uma interdição social e à transgressão de uma lei nunca enunciada.

De acordo com a teoria freudiana, a criança só tomaria conhecimento da interdição do incesto - presente em toda sociedade humana, constituindo-se em lei universal - em torno dos seis anos de idade. Contudo, o que é certo é que a criança só experienciará o sentimento de ter transgredido uma lei se ela possuir a noção de que essa lei existe. Isto indica que os efeitos psicológicos podem ser muito diferentes, dependendo da idade em que a experiência incestuosa se dê e da forma como o tabu do incesto é vivenciado no meio familiar.

PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

Na análise de Freud, o tabu do incesto e suas implicações na vida psíquica do indivíduo enraízam-se na relação da criança com o seio materno. A leitura de Lacan de Freud diz que a criança, depois do complexo de Édipo, passa do mundo imaginário, em que se encontra, auto-centrada, para passar ao mundo simbólico, o da cultura, determinado pela Lei, simbolizada pelo pai. A aceitação do relacionamento do pai com a mãe, necessariamente castrador, determina a inserção da criança no mundo social.

O traço deixado constantemente pela prática incestuosa é o vazio da história, pela impossibilidade de memorização da infância, e mesmo da puberdade, pois não é objeto de nenhum fato memorizável e, em seu entender, as vítimas sabem apenas o que lhes foi contado de sua história, sendo que muitos fatos são omitidos. Mas também demonstra que as vítimas lembram-se muito bem de suas vivências, apenas são extremamente cautelosas em abordá-las, demorando para revelá-las, talvez pelos sucessivos desmentidos aos quais se viram sujeitadas ao longo de suas vidas, ou pela necessidade de confirmar um vínculo de confiança. Além disso, trata-se de vivências que envolvem muita violência, sensações físicas diversas, sentimentos intensos de vergonha, de humilhação e de menosvalia, além de muito ódio, para os quais as palavras parecem não ser suficientes.

NEGLIGÊNCIA FAMILIAR: O MAIS COMUM NOS CASOS INCESTUOSOS

Desleixo, descuido, incúria, desatenção, menoscabo, desprezo, preguiça, indolência: estes são os significados da palavra negligência (Ferreira, 1985).

Não se encontrou dados estatísticos a respeito da situação de negligência infantil com relação ao incesto no Brasil. Este é um trabalho ainda a ser feito.

A negligência pode passar despercebida e, em família, diz respeito ao que os pais não fazem e deveriam fazer. A negligência familiar pode ser física, psicológica e/ou educacional, e diz respeito ao fracasso permanente de um pai/uma mãe, ou ainda de um substituto, de prover as necessidades básicas a um menor de 18 anos, que envolvem alimentação, cuidados corporais, higiene, vestuário, abrigo, cuidados médicos e odontológicos, oportunidades educacionais, proteção e acompanhamento.

Negligência e as mais variadas formas de abuso infantil freqüentemente ocorrem no próprio meio familiar, porém o impacto que provocam não se restringe aí, uma vez que a sociedade como um todo paga um preço pela criança negligenciada e abusada incestuosamente, implicando em custos diretos e indiretos.

SIGMUND FREUD E SEU POSICIONAMENTO COM RELAÇÃO AO INCESTO

Freud, ao realizar o estudo sobre a proibição ao incesto faz uma análise da Psicologia dos Povos Primitivos. Ele faz uma conexão entre Cultura e Psicanálise, rejeitando um distanciamento entre ambas.

Freud diz que a proibição do incesto está determinada pela cultura e pela vida psíquica e dessa forma analisa a vida de “selvagens” e “semiselvagens” que faz parte também do desenvolvimento humano.

Freud pesquisa os povos aborígines australianos que são povos que impõem a mais rigorosa interdição às relações sexuais incestuosas. Suas regras e normas se estabeleciam através do sistema totêmico, que divide sua “sociedade” em clãs, e cada clã tem seu totem. Este totem pode ser um animal comestível, ora inofensivo, ora perigoso, temido e, mais raramente pode vir a ser uma planta ou uma força natural como a chuva ou a água que se acham em relação particular com o grupo. O totem é em particular um antepassado do grupo, e em segundo lugar seu espírito protetor, o seu benfeitor.

Os grupos que estão submetidos ao mesmo totem devem cumprir a sagrada obrigação e quem não o cumpre deve ser castigado por não respeitar a ética do grupo, tornando assim o totem uma regra mais importante que os próprios laços sanguíneos.

Segundo Freud (1914), o totem é uma Lei que estabelece que os membros de um único totem não devem manter relação sexual entre si. O grande foco de análise de Freud ao sistema totêmico está voltado para a observação analítica de como o homem constrói suas proibições que se universalizam nos povos.

A proibição totêmica não é automática, ela é vigiada pela tribo toda, porque aquele que viola as leis é um perigo ameaçador a toda a tribo. Este perigo é o que conhecemos por imoral do ponto de vista ético. O totem é um hereditário e não sofre alterações com o matrimônio, portanto, os filhos são do mesmo totem que a mãe e das irmãs. O totem é a família primitiva e estabelece relações de parentesco de sangue e de parentesco hereditário.

As designações de parentesco não se referem a relações entre dois indivíduos, se não entre um indivíduo e seu grupo. A exogamia totêmica, portanto, é a proibição das relações sexuais entre membros do mesmo clã e constitui-se num meio mais eficaz para impedir o incesto num grupo.

Partindo desta análise, Freud defende a tese de que os “selvagens” são mais escrupulosos nesta questão que nós. É possível para ele que isto seja dado pelo fato dos selvagens se acharem mais sujeitos às tentações e precisem, portanto, de uma proteção mais eficaz.

Para a Psicanálise, o primeiro objeto sobre o qual se faz a eleição sexual do jovem é de natureza incestuosa condenável e está representado pela mãe e pela irmã. O caminho que o sujeito constrói na sua vida avança na busca de subtrair a traição do incesto. Para dar conta dessas proibições, o homem, no seu desenvolvimento histórico cultural cria tabus que, ao mesmo tempo expressam o que é sagrado e consagrado e o que é proibido.

Para Freud, determinados tabus parecem ser racionais, pois tendem a impor privações, e ainda se faz necessário entender que os deuses e os demônios temidos pelo homem são criações das forças psíquicas do mesmo. O homem cria para si mesmo proibições-tabus individuais e que as observa tão rigorosamente como o selvagem às restrições de sua tribo ou de sua organização social.

Os tabus são proibições antiqüíssimas impostas desde o exterior a uma geração de homens por culturas e herança psíquica. As proibições tabus mais antigas e importantes aparecem nas leis fundamentais do totemismo. Freud tem uma hipótese de que estes devem ser os desejos e os prazeres mais antigos do homem e o perigo surge quando sentimos os desejos inconscientes como impulsos conscientes.

A consciência-tabu é a forma mais antiga de consciência moral e as razões das percepções que são desconhecidas são características angustiosas da consciência. As duas coisas contidas no inconsciente resultam numa luta que tem como conseqüência a construção de uma moral. O tabu, em si, não é uma neurose mas é uma formação social.

Deste modo Freud ressalta que há uma relação indiscutível entre a proibição do incesto, o totem e o tabu e as neuroses, estabelecendo as devidas distinções, contudo, reafirmando a relação entre os mesmos no processo de desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS

Ferreira, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

Freud, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud- Totem e Tabu e Outros Trabalhos. v. XIII. Rio de Janeiro : Imago Editora.1996, p. 21 e seg.

Freud, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud- Totem e Tabu e Outros Trabalhos. v. XIII. Rio de Janeiro : Imago Editora.1996, p. 311-331.

Dorsh e outros. Dicionário de Psicologia. Rio de Janeiro: Vozes. 1997, p.240.

Carneiro, M.I.N.E. (2005).Um crime parental: possíveis desdobramentos de abusos sexuais em filhos. Revista Brasileira de Psicanálise,39 (2),135-142.

A AUTORIDADE DA FAMÍLIA E O REFLEXO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Rosilene Sebastiana Schiavon

Uma reflexão sobre a necessidade da existência de um relacionamento harmonioso e integrado entre a família e a escola, em busca de uma forma prática para exercer uma educação voltada para a moral e a ética. As mudanças que a família sofreu no decorrer das últimas décadas exigiram que a escola se adequasse a estas novas mudanças, partindo do princípio que suas funções de ensinar as disciplinas pudessem agregar um reforço dos valores básicos de convivência social. Ressalta-se que a vida em sociedade é regida por leis, regras, normas e regulamentos, para garantir uma convivência harmoniosa, assim à família e a escola deve contribuir de forma significativa para a formação de cidadãos conscientes e críticos com relação ao seu papel, enquanto sujeitos de direitos e deveres, assim como na permanente afirmação e prática de seu compromisso humano, como agentes de transformação social. (grifo da aluna)

Observa-se ainda que a própria Constituição garante a participação familiar no processo de ensino-aprendizagem de seus filhos, todavia, nem sempre as famílias se dispõem a esta participação. O dever da família com o processo de escolaridade envolvendo a sua presença no contexto escolar é publicamente reconhecido na legislação nacional e nas diretrizes do Ministério da Educação. A ausência da prática desse relacionamento família-escola se percebe problemas como: desinteresse na aprendizagem, agressividade com colegas e professores que estão desmotivados e amedrontados frente à agressividade e até violência com que são tratados por determinados alunos, sem que possuam ferramentas para fazer valer a autoridade docente. (grifo da aluna)

Os alunos já chegam às instituições escolares com deficiências de formação de caráter, pois os filhos não respeitam mais a autoridade familiar. Um indivíduo que não é forjado para obedecer à autoridade familiar quando criança ao se tornar um adulto será um indivíduo não apto a respeitar autoridade da lei. Quando criança, ao desrespeitar os pais faz uma "arte". Quando adulto, ao não respeitar as normas em vigor comete um "crime". Esse fenômeno é verificado em todas as camadas sociais, portanto a pobreza não é o fator preponderante, mas sim a falta de educação, falta de imposição de valores éticos e morais.

Na sociedade atual, os papéis familiares sofreram muitas mudanças, não se têm mais famílias aparentemente estruturadas como outrora. Existem famílias compostas de pai, mãe e filhos, outras onde só a mãe ou o pai cuidam e sustentam os filhos, avós criando e sustentando os netos como perpetravam com os filhos, entre outras. Assim é preciso observar que essas transformações não devem ser afrontadas como tendências negativas, muito menos como "enfermidade" ou sintomas de "conflito". A aparente desordem da família é um dos aspectos da reestruturação que ela vem sofrendo, a qual, se por um lado pode causar problemas, por outro, oferecer soluções. Segundo Freud:

Transgredir a lei da tribo; usa as expressões “irmão” e “irmã” não somente para os filhos de seus pais verdadeiros, mas também para os filhos de todas aquelas pessoas com quem mantém uma relação de pais, no sentido classificatório, e a assim por diante. FREUD (1969, P. 26).

Trata-se, pois, de um processo incongruente que ao mesmo tempo em que agita o sentimento de segurança das pessoas, com a falta ou diminuição da solidariedade familiar proporciona também a possibilidade de emancipação de fração do todo. Sobre esse aspecto PEREIRA (1995) aponta que a estrutura familiar “também, os papéis sociais atribuídos diferenciadamente ao homem e à mulher tendem a desaparecer não só no lar, mas também no trabalho, na rua, no lazer e em outras esferas da atividade humana”.

Dessa forma a relação familiar a cada dia torna-se mais delicada e ilusória, provoca a transferência da responsabilidade dos pais a outros como: escola, professores, babás, entre outros. Assim, cria-se na família um ambiente hostil onde as pessoas não se conhecem, somente repartem um espaço físico (a casa), mas não se integram não se amparam ou expressam amor umas pelas outras. De acordo com BOECHAT (2003, p. 42), “quem se perdeu não foi o jovem, foi o adulto que não está conseguindo ler a modernidade e a confunde com frieza, distanciamento, solidão, perdas”. Então Freud:

“[...] procura compreender por que o comportamento individual é absolutamente distinto do comportamento dos indivíduos no interior das massas. “[...] Freud agia como quem acredita que a integralidade dos processos de interação social sempre se reporta a um princípio único e soberano de poder. Como quem acredita que a expressão institucional do Estado, por exemplo, teria sempre a tendência a submeter-se à figura de uma pessoa singular na posição de líder. “[...] SAFATLE (2010, p. 39)

Perante a presteza de como os fatos acontecem, o relacionamento entre pais e filhos nesta sociedade moderna causa uma série de dúvidas e inseguranças quanto ao tipo de estrutura familiar que pode ser edificada o que normalmente acarreta problemas quanto à adaptação do aluno (filho) ao meio social (inclusive à escola).

Observa-se a gravidade de conjeturar o quão a educação e a cultura transmitida pela família influenciam o comportamento e a conduta demonstrada pelo indivíduo em qualquer local independente da presença familiar. Na escola não é diferente. Também nela, o aluno demonstra ou não os costumes e hábitos aprendidos e vivenciados no ambiente familiar. Visto que o acompanhamento e a relação desenvolvida em família são mandatários para que o aluno se implante no ambiente escolar sem maiores dificuldades.

Todavia, com as mutações sociais esta relação tem sido afetada cada vez mais. O trabalho e outras atividades têm debilitado o tempo dos pais que se vêem impossibilitados de educar seus filhos atribuindo (erroneamente) este papel exclusivamente à escola. Diante disso TIBA (2002, p.180) “[...] percebo que as crianças têm dificuldade de estabelecer limites claros entre a família e a escola, principalmente quando os próprios pais delegam à escola a educação dos filhos [...]”.

Outro fator relevante é que a modernidade ocasionou uma série de alterações, inclusive na família; mas tal fato não desobriga a instituição familiar de seu papel educador primordial ao desenvolvimento e integração do filho à sociedade.

De acordo com KALOUSTIAN (1988, p. 22) a família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal; é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.

Porém, pais conscientes de seu papel enfrentam o grande dilema de como educar os filhos, pois não possuem a certeza de que forma educá-los ou se como estão agindo é a maneira mais correta, visto que a vida em sociedade é regida por leis, regras, normas e regulamentos para garantir uma convivência harmoniosa e justa. Emprega o termo “mãe” não apenas para a mulher de quem na realidade nasceu, mas também para todas as outras mulheres que lhe poderiam ter dado à luz. A base para as representações de conflitos e ambivalências psíquicas. Pois SAFATLE ressalva.

Sabemos que não há lei sem força de lei, ou seja, sem a fundação do princípio de sua autoridade. Mas podemos dizer que, com sua teoria do supereu, Freud procura insistir que tal fundação é sempre fantasmática. A autoridade que garante a força da lei (e aqui poderíamos fornecer uma espécie de base psicanalítica para a temática do respeito como sentimento moral), ou antes, a consciência da autoridade da lei não é autônoma em relação à produção social de representações imaginárias da força presente em instituições sociais, em especial, na família. SAFATLE (2010, p. 42)

A escola contribui de forma significativa para a formação de cidadãos conscientes e críticos com relação ao seu papel, enquanto sujeitos de direitos e deveres, assim como na permanente afirmação e prática de seu compromisso humano, como agentes de transformação social.

O comportamento moral e ético consiste em reconhecer o outro como sujeito de direitos iguais, o que significa que às obrigações que temos em relação ao outro correspondem, por sua vez, direitos. Complementando, demonstra que todos os seres humanos, independentemente de suas peculiaridades e papéis específicos na sociedade, têm determinados direitos simplesmente enquanto são seres humanos. (TUGENDHAT, 1999, p.362).

Por este ângulo, ARAÚJO (2006, p. 4) ressalta o papel da escola como instituição, uma vez que é importante definir para os pais e para a própria sociedade sua função: a escola enquanto instituição pública criada pela sociedade para educar as futuras gerações deve se preocupar também com a construção da cidadania nos moldes que atualmente a entendemos. Se os pressupostos atuais da cidadania procuram garantir uma vida digna e a participação na vida política e pública para todos os seres humanos e não apenas para uma pequena parcela da população. Essa escola deve ser democrática, inclusiva e de qualidade, para todas as crianças e adolescentes. Para isso devem promover na teoria e na prática as condições mínimas para que tais objetivos sejam alcançados na sociedade.

Para LODI e ARAÚJO (2006, p. 39) descrevem a relevância da prática escolar quanto formadora de cidadãos, pois aprender a ser cidadão e a ser cidadã entre outras coisas é aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça e não-violência. Faz necessário aprender a usar o diálogo nas mais variadas situações e comprometer-se com o que acontece na vida cole­tiva da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes portanto podem e devem ser ensinados na escola.

Observa-se que para a escola possa conseguir efetivamente cumprir o seu papel a contribuição da família é fundamental. Nesse sentido serão apresentados a seguir alguns aspectos que sugerem esta parceria.

A própria lei garante a participação familiar no processo de ensino-aprendizagem de seus filhos, entretanto nem sempre as famílias se dispõem a esta participação. O dever da família com o processo de escolaridade e a acuidade da sua presença no contexto escolar é publicamente reconhecido na legislação nacional e nas diretrizes do Ministério da Educação.

Ressalta-se a estima sobre a edificação de uma relação de amizade e companheirismo onde se apreciem problemas, anseios e especificidades entre família e escola visto que as duas devem trabalhar para o mesmo objetivo sendo companheiras e não concorrentes. No entanto, mesmo apreciando as dificuldades e particularidades das famílias e por decorrência dos educandos se não houver um empenho recíproco em solucioná-los a diligência de detectar tais problemas torna-se inexistente, impedindo que a escola e o professor possam interferir para o sucesso do educando. O interesse e participação familiar são fundamentais.

Na família contemporânea alguém necessita exercer a autoridade para como os filhos pois com os novos arranjos familiares este papel não sabe mais quem exerce e os filhos ficam sem limites.

“Desde a perspectiva totêmica, FREUD (1969, p. 109) desenvolve os substitutos paternos: animal totêmico (o primeiro substituto), deuses, reis, heróis, Deus único... Se há substitutos paternos é graças a um "pai primeiro", do qual dependeriam todos os seus substitutos”.

O Pai Primevo, da horda primitiva, é aquele que tinha acesso a todas as mulheres, o único a poder gozar. O acesso às mulheres só foi possível por sua morte, mas isso vai exigir algo a mais. Pôde-se constatar que o acesso à mulher não podia ser direto desde que assim necessariamente o mesmo lugar teria que ser ocupado por outro, o que restituiria o pai primevo a ser assassinado. Instituiu-se então um totem e dois tabus, uma ordem social baseada em duas interdições: a do incesto e não matar o pai. Os dois tabus são resultantes do sentimento de culpa filial e correspondem aos dois desejos recalcados do Complexo de Édipo.

Freud afirma que o pai tornou-se mais forte morto do que vivo (Totem e Tabu). Não é senão quando se quis aceder a um gozo absoluto (o do pai primevo) que se pode aceder à sua proibição, reinstalando que a satisfação toda é impossível. SAFATLE (2010, p.42), explica que Freud acaba por nos dizer que o sujeitos modernos agem como quem vê instituições e figuras reconhecidas de autoridade como instauradoras e responsáveis por uma distribuição desigual das possibilidades de satisfação subjetiva.

Sabemos que não há lei sem força de lei, ou seja, sem a fundação do princípio de sua autoridade. Mas podemos dizer que, com sua teoria do supereu, Freud procura insistir que tal fundação é sempre fantasmática. A autoridade que garante a força da lei (e aqui poderíamos fornecer uma espécie de base psicanalítica para a temática do respeito como sentimento moral), ou antes, a consciência da autoridade da lei não é autônoma em relação à produção social de representações imaginárias da força presente em instituições sociais, em especial, na família. SAFATLE (2010, p.42)

Colaborando, no tipo de organização social em que vivemos, o papel crucial da família quanto à proteção, afetividade e educação perpassa pelo dever, também perante o processo de escolaridade e a seriedade da sua complexidão no contexto escolar, sendo publicamente reconhecido na legislação nacional e nas diretrizes do Ministério da Educação aprovadas no decorrer dos anos 90, tais como:

• Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), nos artigos 4º e 55.

• Política Nacional de Educação Especial, que adota como uma de suas diretrizes gerais: adotar mecanismos que oportunizem a participação efetiva da família no desenvolvimento global do aluno. E ainda, conscientizar e comprometer os segmentos sociais, a comunidade escolar, a família e o próprio portador de necessidades especiais, na defesa de seus direitos e deveres. Entre seus objetivos específicos, temos: envolvimento familiar e da comunidade no processo de desenvolvimento da personalidade do educando.

No texto constitucional, o Estado divide com a família a responsabilidade pela educação de cada um e de todos como direito e dever, expressando-se coletivamente na medida em que exige a colaboração da sociedade nesse processo. Por sua vez, a Constituição Federal determina no Art. 205 que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” A legislação indica uma direção clara em favor de uma educação voltada para a defesa dos Direitos Humanos e a Cidadania que podem e devem ser compartilhados na família, na escola e principalmente na sociedade.

Portanto, os pais necessitam conhecer melhor seus filhos e dedicar mais tempo ao processo de desenvolvimento do comportamento, assim facilitando colaborar para formação dos mesmos. A escola se torna um canal para a formação de cidadãos conscientes e críticos com relação ao seu papel, enquanto sujeitos de direitos e deveres, assim como na permanente afirmação de seu compromisso humano como agentes de transformação social; mas os pais ou quem exercem estas representações, necessitam de comprometimento a ser um direcionador e norteador da formação moral, ética de seus filhos.

Referências

SAFATLE, Vladimir; Freud como teórico da modernidade bloqueada, Vitória, 2010

FREUD, Sigmund; Totem e tabu, Frankfurt, Fischer, 1999

Araújo Ulisses F., Ética e Cidadania. Boletim 18. Salto para o futuro: TV escola: Secretaria de educação à distância e Ministério da educação. Outubro de 2006.

________. Respeito e autoridade na escola. In: AQUINO, J. (org). Autoridade e autonomia na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999.

BOECHAT, Ivone. A Família no Século XXI. 2ª ed. Rio de Janeiro: Reproarte, 2003.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8069, de julho de 1990.

________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei nº 9424, de dezembro de 1996.

________. Plano Nacional de Educação. Brasília, MEC, 2001.

________. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial: livro 1. Brasília, MEC/SEESP, 1994.

KALOUSTIAN, S. M. (org.) Família Brasileira, a Base de Tudo. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 1988.

LODI Lúcia Helena e ARAÚJO Ulisses F., Ética, cidadania e educação: Escola, democracia e cidadania. Programa 5, Boletim 18 Salto para o Futuro: TV Escola: Secretaria de Educação a Distância e Ministério da Educação. Outubro de 2006.

PEREIRA, P. A. Desafios Contemporâneos para Sociedade e a Família. In Revista Serviço Social e Sociedade. Nº 48, Ano XVI. São Paulo: Cortez, 1995.

TIBA, Içami. Limites, A difícil arte de educar. In Suplemento do Professor do Jornal Folha Dirigida, São Paulo: 15/10/2006.

TUGENDHAT, E. Lições sobre ética. Petrópolis: Vozes, 1999.